Por: Fernanda Carvalho Campos e Macedo e Gabriel José de Figueiredo
O dano moral, enquanto categoria de responsabilidade civil, encontra sua maior dificuldade não na identificação do ilícito, mas na fixação do quantum indenizatório. Trata-se de tarefa complexa, marcada pela tensão entre a necessidade de compensar a vítima, a função pedagógica da condenação e a vedação ao enriquecimento sem causa.
No Brasil, os Tribunais têm se direcionado no sentido do chamado método bifásico de arbitramento, pelo qual, em uma primeira etapa, fixa-se um valor-base a partir de precedentes em casos semelhantes; e, em seguida, na segunda etapa, realiza-se o ajuste conforme as peculiaridades do caso concreto.
A dificuldade que se coloca é evidente: os precedentes são datados. Valores fixados há cinco ou dez anos não podem servir de parâmetro absoluto em um cenário econômico marcado por inflação acumulada, sob pena de perda de isonomia e de esvaziamento do caráter compensatório da indenização. Surge, nesse contexto, a construção que se denomina “teoria da adequação inflacionária das sentenças”.
O método bifásico e seus limites
O método bifásico representa avanço em relação ao arbítrio puro do julgador, pois fornece critérios objetivos e comparativos. Contudo, quando os precedentes de referência não são atualizados monetariamente, a comparação deixa de refletir a realidade.
Imagine-se um caso de inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, em que o STJ, há uma década, fixou indenização em R$ 10.000,00. A aplicação direta desse valor em 2025, sem qualquer atualização, traduz uma indenização real muito inferior, incapaz de cumprir as funções compensatória e pedagógica.
Muitos Tribunais têm reconhecido essa dificuldade e têm assinalado a “defasagem do quantum fixado” em precedentes datados de tempos remotos, de modo a exigir revisão do parâmetro. Esse reconhecimento em alguns precedentes legitima a necessidade de atualizar, por índices oficiais de inflação, os valores paradigmáticos utilizados na primeira fase do método bifásico.
A adequação inflacionária dos parâmetros jurisprudenciais
A adequação inflacionária das sentenças consiste, portanto, em procedimento lógico-metodológico:
- Identificação do valor fixado em precedentes análogos;
- Atualização desse valor pela inflação até a data do novo arbitramento;
- Aplicação, sobre o valor atualizado, dos ajustes decorrentes das peculiaridades do caso concreto.
Dessa forma, garante-se que a indenização cumpra sua função de manutenção da isonomia entre casos semelhantes. Afinal, não se pode tratar como iguais as partes cujas condenações foram arbitradas em realidades econômicas distintas.
Cumpre observar que tal adequação não se confunde com a Súmula 362 do STJ, que disciplina a correção monetária após o arbitramento, incidindo desde a data da fixação judicial. A teoria aqui defendida opera em fase anterior: visa a trazer para valores reais contemporâneos os parâmetros jurisprudenciais de comparação, a fim de que a sentença seja proferida em conformidade com a moeda atual.
Fundamentação normativa e principiológica
O fundamento maior da teoria repousa no princípio da efetividade da tutela jurisdicional (art. 4º do CPC/2015), que impõe ao juiz o dever de proferir decisão apta a concretizar o direito reconhecido. Ademais, a correção monetária como recomposição da moeda é consagrada pelo art. 389 do Código Civil e pela jurisprudência pacífica dos tribunais superiores.
No campo do direito do consumidor, em especial, a atualização dos parâmetros é essencial para preservar o equilíbrio entre fornecedor e consumidor, evitando que a defasagem dos valores de referência reduza a indenização a patamares simbólicos, esvaziando a própria eficácia normativa do art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor.
Conclusão
A teoria da adequação inflacionária das sentenças não pretende subverter o método bifásico, mas aperfeiçoá-lo. Se este trouxe objetividade ao arbitramento do dano moral, aquela assegura que tal objetividade seja também temporalmente eficaz, impedindo que a inflação corroa o parâmetro jurisprudencial.
A aplicação prática da teoria representa verdadeira exigência de justiça material: valores de precedentes antigos devem ser trazidos à realidade monetária atual antes de servirem como padrão comparativo. Assim, o Poder Judiciário garante que a tutela jurisdicional seja não apenas formalmente correta, mas economicamente efetiva, preservando a dignidade da pessoa humana e a função compensatória do dano moral.