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Necessidade de perícia médica judicial em processos de benefício por incapacidade – TNU afeta a matéria sob o Tema 289

 Necessidade de perícia médica judicial em processos de benefício por incapacidade – TNU afeta a matéria sob o Tema 289

 

Por:  Fernanda Carvalho Campos e Macedo – Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Co-autora do Livro:  Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018

 

No final de abril de 2021, a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais – TNU afetou, dentre outros, o Tema 289. A discussão central diz respeito à necessidade de perícia médica  em processos de benefício por incapacidade. Embora seja corriqueira a realização do exame pericial em processos previdenciários que discutem direito a benefícios por incapacidade laboral, a questão levantada é sobre a prescindibilidade daquele meio de prova para a decisão que concede ou nega o direito ao benefício.

 Será a perícia médica em processos de benefício por incapacidade  realmente imprescindível?

No caso posto em discussão pela TNU, tanto o Juízo primevo quanto a Turma Recursal que reanalisou a decisão de primeiro grau reconheceram a possibilidade de concessão de benefício assistencial (BPC-LOAS) sem realização da perícia médica. Levaram em conta apenas o conjunto probatório constante nos autos para o reconhecimento do direito da parte ao benefício.

Diante da nova decisão da Turma Recursal desfavorável a sua tese, o INSS apresentou Incidente de Uniformização da Jurisprudência sob o argumento de que a TNU já teria entendimento pela indispensabilidade de perícia judicial em outro caso (Decisão paradigma).

O debate gira em torno, portanto, da possibilidade de dispensa da prova pericial para exame da incapacidade e demais condições do segurado que pleiteia judicialmente benefício previdenciário, não se limitando a qualquer situação excepcional de Pandemia ou crise social, como foi o caso do Tema 288, igualmente afetado pela TNU.

O acórdão impugnado pelo INSS, que originou a afetação do Tema 289, teve a seguinte ementa:

O INSS recorreu contra sentença que julgou procedente pedido de concessão de benefício previdenciário por incapacidade, a alegar cerceamento de defesa, pois não houve perícias médica e social na via judicial. A sentença deve ser mantida, pois a única questão controvertida é de direito processual e o juízo de origem poderia – e pode – dispensar a produção de prova pericial, sempre que houver documentos suficientes para a decisão da causa, pois os arts. 5º, 6º e 35, parágrafo único, da Lei n.º 9.099/95 autorizam a dispensa de tal prova técnica, especialmente levando-se ainda em consideração o que dispõe o Decreto n.º 3.048/99, alterado pelo Decreto n.º 8.691/2016. Insta destacar que, quanto à hipossuficiência do autor, o INSS reconheceu a existência de barreira grave no quesito “fatores ambientais” na época do requerimento, como se vê na avaliação administrativa no anexo n° 17, página n° 07, circunstância corroborada pelo auto de constatação constante do anexo n° 43, que informa que o autor vive com a sua mãe, que não trabalha e recebe benefício do Programa Bolsa Família no valor de R$ 41,00, e com um irmão que também não trabalha. (grifos nossos)

A TNU, na conclusão da decisão que afetou o tema 289, colocou como questão conexa o tema 288. Nesse sentido, disse:

Registro que, igualmente no tema 288 desta Corte, que ainda se encontra em fase inicial de julgamento, “a parte recorrente suscita divergência entre o acórdão impugnado e precedente desta Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência – TNU, em que considerada a imprescindibilidade de perícia judicial para a análise da condição laborativa do requerente e concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio doença, assim como para a verificação da data do início da incapacidade (PEDILEF 2006.71.95.007523-7). Insurge-se contra a inversão do ônus da prova e a ausência de produção de prova pericial acerca da incapacidade laboral do segurado“. No aludido caso que deu margem ao incidente convertido no tema 288, o acórdão de origem também mencionou a mesma possibilidade de julgamento sem realização de perícia quando suficientes os demais elementos probatórios nos autos. (…)No entanto, naquele precedente do tema 288, o caso foi restringido à hipótese de dispensa da perícia na situação de Pandemia da Covid-19 hoje vivenciada, enquanto neste caso o debate é mais amplo, não se restringindo à referida hipótese de Pandemia.(…) Daí a ponderação dos limites do tema 288: “Desde logo, defino o tema controvertido: “Saber se durante a pandemia provocada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2), excepcionalmente é possível dispensar-se a produção de perícia médica”.

Desde o início da pandemia do Coronavírus, sentiu-se, na maior parte do território nacional, certa dificuldade de realização de perícia médica no INSS, tendo em vista a alta taxa de contaminação do novo COVID 19. Da mesma forma, as perícias judiciais também foram afetadas, chegando até a ser suspensas em diversas subseções da Justiça Federal e em Comarcas da Justiça Estadual.

Foi justamente por isso que se questionou a possibilidade de dispensar a perícia nesses casos, em virtude da pandemia e, de forma mais ampla, a abordagem do Tema 289, que foi afetado pela TNU a partir da seguinte conclusão:

Diante dos contornos verificados, conheço do incidente e proponho sua conversão em representativo de controvérsia, mediante a definição do seguinte tema sujeito à adequação pelo Colegiado: “saber se, na ação judicial versando benefício por incapacidade, é imprescindível a realização de exame técnico pericial para avaliação das condições do interessado“. ( grifos nossos)

E o que se pode prever do julgamento da TNU sobre o Tema 289?

A TNU já possui entendimento no sentido da necessidade de realização de perícia judicial quando a decisão pela não realização da perícia for desfavorável ao segurado. Nesse sentido:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL. REALIZAÇÃO INDEFERIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO PREJUDICADO.
1. A realização de perícia judicial é imprescindível para a análise da condição laborativa do requerente a aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, assim como para a verificação da data do início da incapacidade.
2. Há cerceamento de defesa quando a decisão recorrida conclui, sem a produção de perícia médica judicial, que a incapacidade é posterior à perda da qualidade de segurado.
3. Acórdão recorrido e sentença anulados de ofício, com retorno dos autos à origem o para a produção de prova pericial, considerando-se prejudicado o Pedido de Uniformização.

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. PROCESSO Nº: 2006.71.95.007523-7.

De outro lado, é cediço que o STJ tem mantido a posição (criticada pela doutrina diante da supressão do termo “livre” pelo CPC/2015) sobre a existência do princípio do livre convencimento motivado do juiz, com o qual o magistrado pode concluir, inclusive, pela desnecessidade de perícia ou mesmo pela não valoração daquela em razão dos demais documentos probatórios constantes nos autos.

A TNU também tem entendimento no sentido de valorar o primado do livre convencimento motivado para indeferimento de provas pelo Juiz. Nesse sentido:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO SUSCITADO PELA PARTE AUTORA. PREVIDENCIÁRIO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. CONFORME LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA, CUMPRE AO MAGISTRADO, DESTINATÁRIO DA PROVA, VALORAR SUA NECESSIDADE. ASSIM, TENDO EM VISTA O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO, NÃO HÁ CERCEAMENTO DE DEFESA QUANDO, EM DECISÃO FUNDAMENTADA, O JUIZ INDEFERE PRODUÇÃO DE PROVA, SEJA ELA TESTEMUNHAL, PERICIAL OU DOCUMENTAL. A ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA REMETE AO EXAME DE MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE PROCESSUAL, CUJA ANÁLISE É VEDADA AO COLEGIADO NOS TERMOS DA SÚMULA Nº 43 (NÃO CABE INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO QUE VERSE SOBRE MATÉRIA PROCESSUAL). PEDILEF NÃO CONHECIDO.

(Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 0062178-16.2016.4.03.6301, CARMEN ELIZANGELA DIAS MOREIRA DE RESENDE – TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, 25/02/2019.)

Nós entendemos que a perícia é, sim, fundamental quando o contexto probatório não permite a elisão da dúvida sobre o direito. Nesses casos, a não realização da perícia judicial pode prejudicar sobremaneira o segurado.

Noutro viés, sendo a decisão que indefere a perícia, por razões amplamente motivadas no contexto probatório e na “impossibilidade” de realização daquela, favorável à concessão de urgência do benefício ao segurado (benefício de caráter alimentar- quem tem fome, tem pressa), entendemos que o Estado tem muito mais condições de suportar eventual prejuízo do que o segurado e, por isso, a decisão seria justa.

Não foi por outro motivo que, no dia 31/03/2021, foi sancionada a Lei nº 14.131/21, que autoriza o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a conceder o auxílio doença (atual auxílio por incapacidade temporária) de forma remota, mediante a simples análise de atestado e outros documentos médicos, sem a necessidade de perícia presencial. (Escrevemos outro artigo sobre o assunto: https://carvalhocamposadvocacia.com.br/o-direito-de-requerer-beneficio-por-incapacidade-temporaria-auxilio-doenca-mediante-apresentacao-de-atestado-medico-e-exames-complementares-e-sem-realizacao-de-pericia-medica-presencial-no-inss/)

Esperamos que a decisão da TNU nos temas 288 e 289 levem em conta o melhor “sentido de justiça” quando analisar estes pontos. Há de se ponderar a proteção ao erário público e a dignidade da pessoa humana para que, ao final, seja possível conciliar os institutos e possibilitar o alcance da justiça e da paz social.