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Justiça Federal decide: Percepção de Bolsa Família não pode impedir a Concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC)

Por: Dra. Fernanda Carvalho Campos e Macedo. Advogada e Professora de Direito Previdenciário e Trabalhista. Gestora Estratégica na Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados.

 

 

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), é um pilar fundamental da Seguridade Social brasileira, atuando como uma garantia de mínimo existencial e concretizando a dignidade da pessoa humana. Como advogada que atua na defesa dos direitos sociais, é imperativo que os critérios de acesso a esse benefício assistencial sejam interpretados à luz da Constituição Federal e da real necessidade dos cidadãos.

 

O BPC é uma garantia destinada a amparar pessoas deficientes e idosos (com 65 anos ou mais) que se encontram em situação de fragilidade social, comprovando a inexistência de meios para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por sua família. Diferentemente dos benefícios previdenciários, o BPC não exige prévia filiação ou contribuição à Seguridade Social.

 

O Critério de Miserabilidade e a Superação do Limite Legal

A Lei 8.742/1993 define originalmente que a família do requerente será considerada incapaz de prover o seu sustento se a renda mensal per capita for inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. Contudo, a jurisprudência, notadamente o Supremo Tribunal Federal (STF), tem reconhecido a inconstitucionalidade e a defasagem desse critério objetivo de 1/4 do salário-mínimo, entendendo que ele é inadequado para aferir a real miserabilidade das famílias.

 

O STF, ao flexibilizar esse conceito, indicou que programas de assistência social no Brasil frequentemente utilizam o valor de meio salário mínimo (1/2 SM) como referencial econômico para a concessão de benefícios, considerando-o um indicador mais razoável e menos defasado para caracterizar a hipossuficiência. A nossa atuação diária demonstra que o Judiciário, em busca da justiça material, tem aplicado essa interpretação mais humanizada e sistemática.

 

A Inclusão de Programas Sociais na Renda Familiar: Uma Análise Crítica

Em consonância com o espírito protetivo da Constituição e a visão social da Advocacia Previdenciária, a análise da renda familiar deve ser rigorosamente focada na subsistência digna e na real capacidade de manutenção do grupo.

 

É fundamental considerar o conceito de grupo familiar para o cálculo da renda per capita. A Lei 8.742/1993 define família de forma restrita, composta por requerente, cônjuge ou companheiro, pais, irmãos solteiros, filhos e enteados solteiros e menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

 

A jurisprudência consolidada pela Turma Nacional de Uniformização (TNU) adota essa interpretação restrita do grupo familiar. Mais ainda, a TNU já pacificou que a colaboração esporádica de amigos e familiares no sustento não deve ser levada em conta para apuração da miserabilidade, pois não seria razoável que o idoso ou o deficiente ficasse à mercê da cessação dessa cooperação, perdendo sua subsistência.

 

Seguindo essa linha de raciocínio jurídico e humanitário, os valores recebidos por meio de programas de transferência de renda (como o Bolsa Família), destinados a complementar a renda e combater a extrema pobreza, devem ser entendidos como recursos que visam garantir justamente o mínimo existencial. Tais valores, em sua natureza, não representam um acréscimo de riqueza ou renda que retire a família da condição de vulnerabilidade social que a legislação busca proteger.

 

Ao contrário, ao serem incluídos no cálculo de renda per capita para o BPC, esses programas criam um paradoxo: o auxílio social, que visa elevar a dignidade, passa a ser o fator que impede o acesso a outro benefício fundamental para a subsistência.

 

A Justiça Federal, em recentes decisões sobre a composição da renda (a exemplo da publicação que motivou esta análise), tem reafirmado que a interpretação teleológica da norma deve priorizar a efetiva proteção social. Desconsiderar o valor de programas assistenciais, como o Bolsa Família, para fins de aferição da miserabilidade do BPC, é uma medida que se alinha à função social do direito e à visão de que “o mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade”.

 

Esses dias, colaboramos com a publicação de um artigo acadêmico noticiando  que a Justiça Federal em Registro/SP, pioneiramente, reconheceu que o direito ao BPC de uma criança com deficiência não poderia ser negado pelo fato do Bolsa Família percebido integrasse o cálculo da renda familiar, nos termos do que previu o Decreto 12.534/2025.

 

A decisão da ª Vara-Gabinete do Juizado Especial Federal de Registro/SP , da lavra do Juiz Federal Maycon Michelon Zanin, de forma persuasiva e citando, inclusive, os Temas 640 do STJ e 312 do STF,  disse que o Poder regulamentador extrapolou os seus poderes. Em síntese, apontou: “ “Conforme doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, decretos não podem criar restrições a direitos fundamentais não previstas em lei. A LOAS não autoriza a inclusão de benefícios assistenciais no cálculo da renda familiar, tratando-se de inovação ilegal sem respaldo legislativo”

 

Portanto, a exclusão dessas rendas demonstra a maturidade do nosso sistema jurídico em reconhecer que a vulnerabilidade não é apenas um cálculo matemático rígido, mas uma condição social que exige uma avaliação biopsicossocial da situação de penúria. O juiz, como destinatário final das provas, deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão, observando o contexto da vida da pessoa.

 

Nosso escritório, Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados, se empenha em fornecer um atendimento integral e humano, garantindo que, por meio da técnica jurídica e da perseverança, o direito material seja concretizado e a dignidade do nosso cliente seja restabelecida.

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