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Perícias médicas administrativas do INSS agendadas para municípios distantes do domicílio do segurado – Ilegalidade

 

Há algum tempo, talvez desde a implantação do INSS Digital, alguns problemas relacionados ao sistema operacional de agendamentos do INSS vem se apresentando. Um exemplo concreto é situação de segurados que pretendem se submeter às perícias médicas administrativas para a concessão de benefícios previdenciários por incapacidade e acabam tendo sua perícia agendada para município distante do seu domicílio.

Em Juiz de Fora-MG, por exemplo, alguns segurados residentes na cidade acabam sendo direcionados para perícias em Muriaé-MG, que fica a 162Km de distância do seu domicílio.

Diante dessa falta de razoabilidade, alguns advogados fazem requerimentos administrativos ao INSS para que o segurado possa realizar a perícia em algum posto do INSS do seu domicílio, até por que muitos segurados não gozam de condições físicas ou psicológicas para se deslocarem para cidades tão distantes da sua, mormente em tempos de pandemia.

Ocorre que tais requerimentos administrativos ficam parados por tanto tempo (já há casos relatados de mais 90 dias), que o objeto principal acaba sendo frustrado e o segurado privado do seu legítimo direito à percepção de um benefício securitário pelo qual pagou para quando precisasse.

Não existem normas na Lei 8213/91 e nem mesmo nas Instruções Normativas relacionadas ao INSS que garantam o direito do segurado a ser atendido no posto da Autarquia previdenciária de seu domicílio ou mesmo aquele mais próximo da sua residência.

Todavia, não se deve esquecer que os princípios reitores da Administração Pública têm força normativa suficiente para obrigar o órgão público a agir conforme seus preceitos. Além disso, o Direito nos remete a um sistema de interpretação em que a Constituição Federal está no topo da pirâmide e as demais normas devem ser interpretadas sistematicamente, sempre com atenção ao fim social a que se dirigem.

Nesse sentido, obrigar um segurado que já não goza de boas condições de saúde a se deslocar por longos trechos, muitas vezes de transporte coletivo, quando se tem postos da Autarquia Previdenciária na cidade onde reside e sem qualquer limitação de pessoal, é notoriamente irrazoável e contrário ao interesse público.

A lei 9.784/99, que regula o processo administrativo, no âmbito da Administração Pública Federal, disciplina, em seu artigo 2º, o seguinte:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (grifamos)

Como se vê, o caso em estudo aponta para não observância de três princípios vinculantes da atividade da administração pública, quais sejam: razoabilidade, proporcionalidade e interesse público.

Além disso, sabendo-se que a perícia médica administrativa faz parte dos atos de instrução do processo administrativo previdenciário, quando o INSS agenda automaticamente a perícia do segurado para município distante do seu domicilio, havendo o mesmo atendimento em sua cidade, está ferindo o artigo 29, º2º da Lei 9784/99 que assim preleciona:

Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias.

  • 1oO órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários à decisão do processo.
  • 2oOs atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes. (grifos nossos)

 

Sendo assim, diante das ilegalidades citadas, remanesce ao segurado, através do advogado de sua confiança, o direito de impetrar o mandado de segurança, com pedido de liminar, em face do Gerente Executivo do INSS, a fim de que a perícia seja agendada no seu domicílio, em atenção ao que diz o artigo 29, §2º da Lei 9784//99.

Um precedente que tem ratio decidendi adequada ao caso em estudo é o seguinte:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUXÍLIO-DOENÇA. AGENDAMENTO DE PERÍCIA MÉDICA EM MUNICÍPIO DISTINTO DA AGÊNCIA REQUERIDA. IMPOSSIBILIDADE. 
1. Hipótese em que a autoridade coatora redirecionou o exame pericial para outra localidade sem a anuência da parte impetrante. 
2. A ausência de quadro funcional em número adequado para atender a demanda no prazo determinado na ACP 5004227-10.2012.404.7200 não legitima a imposição de ônus ao segurado de ter que se deslocar para localidade distante da APS requerida.
3. Mantida a sentença concessiva da segurança, que determinou o redirecionamento da perícia médica agendada para a agência de São Miguel do Oeste/SC, bem como a manutenção do pagamento do benefício, ao menos, até a reavaliação da parte impetrante por exame pericial, em atenção à decisão liminar proferida na ACP nº 500308040.2017.404.7210.(TRF4 5001546-27.2018.4.04.7210, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relatora GABRIELA PIETSCH SERAFIN, juntado aos autos em 07/02/2019).

Se, em circunstâncias normais, a necessidade da população em prover o seu alimento e a sua subsistência mínima já reclamavam maior atenção do poder público, no atual quadro de desaceleração abrupta das atividades comerciais e laborais do setor privado, isolamento social necessário em função da pandemia e o estado de calamidade que ofende muito mais o pobre e necessitado da assistência estatal, onerar o segurado para o recebimento de qualquer das espécies de “benefício previdenciário” acarreta consequências desastrosas à população, devendo, sim, o Poder Judiciário, no sistema de freios e contrapesos, “consertar” os equívocos do Poder Executivo em atenção à Dignidade da Pessoa Humana  e dos demais primados Constitucionais que regem a Seguridade Social como essencial ao Estado Democrático de Direito.

Sempre que o cidadão buscar a tutela judicial, recomenda-se que esteja acompanhado de advogado/defensor de sua confiança. Isso, pois, apesar da oferta do jus postulandi na Justiça Federal, há casos em que a análise fática; a instrução probatória; e a argumentação trazida pelo patrono farão toda a diferença na concessão do direito e, inclusive, na percepção de parcelas pretéritas e eventuais indenizações pelo dano moral gerado. Nesse sentido, não é demais relembrar a dicção do artigo 133 da Constituição Federal de 1988, que diz: ” Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

 

Fernanda Carvalho Campos e Macedo – Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Co-autora do Livro:  Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018