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Novo decreto regulamentar da previdência social e a manutenção da qualidade de segurado após a cessação do benefício por incapacidade

INTRODUÇÃO

As recentes e sucessivas alterações na legislação previdenciária têm trazido grandes discussões sobre diversos pontos polêmicos relacionados à cobertura securitária dos segurados da previdência social brasileira.

Recentemente, foi publicado o decreto 10.410/20 que alterou o decreto 3.048/99, com a finalidade regulamentar a lei 8.213/91, bem como todas as sucessivas alterações legislativas e constitucionais supervenientes.

Apesar de extensas e profundas alterações advindas do novo decreto regulamentar da previdência social, o foco do nosso ensaio será o dispositivo normativo que se relaciona à manutenção ou perda da qualidade de segurado após a cessação de benefício por incapacidade.

1.Da tentativa de supressão do período de graça após a cessação do benefício por incapacidade

De acordo com a redação original do Decreto 3048/99, havia a previsão expressa de que a qualidade de segurado era mantida até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade. Era o que constava no artigo 13, inciso primeiro, daquele regulamento:

  Art. 13. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

(…)

 II – até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade ou após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela previdência social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

A lei 8213/91 não fazia a previsão expressa nesse sentido; apenas considerava que o segurado que deixasse de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estivesse suspenso ou licenciado sem remuneração, manteria a qualidade de segurado.

O Decreto 10.40 de 2020, por sua vez, sem que qualquer alteração legislativa que justificasse uma mudança de interpretação na regulamentação da lei, suprimiu o inciso II do artigo 13 do Decreto 3048/99, acima transcrito, possibilitando a interpretação de que, agora, uma vez cessado o benefício por incapacidade, o segurado deve imediatamente verter as contribuições previdenciárias, já que o “período de graça” de 12 meses já não mais existe para a hipótese de cessação do benefício por incapacidade.

2. Da interpretação sistemática das normas e a correta exegese sobre o tema

A redação do artigo 15, II, da Lei 8213/91, mesmo após as alterações promovidas pela medida provisória 955/2020, bem como pela Lei 13.846/2019, disciplina que o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração tem sua qualidade de segurado preservada pelos 12 meses que se sucederem à ultima contribuição previdenciária vertida.

Embora o decreto 10.410/20 tenha extraído o texto contido no artigo 13, Inciso II, do Decreto 3048/99, quanto a manutenção da qualidade de segurado após a cessação do benefício por incapacidade, tal expediente regulamentar não poderia restringir um direito que o legislador típico sequer tenha intencionado restringir, já que sua finalidade, como dito, é apenas regulamentar. A redação do artigo 15, incisos I e  II, da Lei 8213/91, é clara quando diz que:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente;

II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspensoou licenciado sem remuneração; (grifamos)

São quatro hipóteses, portanto, previstas no artigo 15, I e II, da Lei 8213/91 para a manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições  ( período de graça): a) Segurado em gozo de beneficio previdenciário (sem limite de prazo); b) por 12 meses, o segurado deixa de exercer atividade remunerada ( todo e qualquer segurado se enquadra nesta hipótese); c) por 12 meses, segurado com contrato de trabalho suspenso ( são algumas possibilidades do segurado empregado ter seu contrato de trabalho suspenso, ad exemplum: acidente de trabalho; aposentadoria por invalidez; greve e suspensão disciplinar)  d) por 12 meses, segurado licenciado sem remuneração ( o art. 476 da CLTdiz, textualmente, que em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício. O Seguro-doença previsto na legislação trabalhista se refere justamente ao auxilio doença ou, atualmente, ao benefício por incapacidade temporária).

Como se pode observar, a leitura dos incisos I e II do artigo 15 da Lei 8213/91 deve ser feita conjuntamente e de forma lógica. Ao segurado que se encontra em gozo de beneficio por incapacidade, aplica-se tanto a hipótese do Inciso I, quanto a do inciso II, já que ele “deixou de exercer atividade remunerada” em decorrência da incapacidade. Por consequência, ao deixar de exercer atividade remunerada pela incapacidade laboral, o segurado pára de verter as contribuições e estas ficam inexigíveis no período em que ele está em gozo do benefício previdenciário, bem como nos doze meses seguintes à cessação do benefício.

Não seria crível que, tão logo cessado o benefício por incapacidade, já no mês seguinte, o segurado tivesse obrigação de voltar a recolher as contribuições, pois a proteção prevista pelo legislador, ao criar o “período de graça”, foi justamente para que a pessoa, uma vez afastada do mercado de trabalho, quando estivesse apta para o retorno, tivesse um prazo para conquistar nova vaga/oportunidade de trabalho e, consequentemente, recursos para adimplir com suas contribuições previdenciárias.

Imaginemos a situação de um segurado contribuinte individual que fica dois anos afastado do mercado de trabalho por incapacidade laboral. Qual seria sua fonte de recursos para, logo após a cessação do benefício por incapacidade, retomar as suas contribuições para a previdência?

O Segurado que era empregado e perde o emprego, consoante a literalidade do artigo 15, Inciso II, tem 12 meses para recuperar sua capacidade contributiva (obtendo outra fonte de renda) e por que o segurado individual que está em gozo de benefício por incapacidade não teria o mesmo prazo para, recuperando sua capacidade contributiva, retomar os recolhimentos das contribuições previdenciárias? Qual o fator discrímen que justifica tal desigualação? Nesse caso, é importante que se observe o artigo 201, §1º da CF/88, com redação dada pela EC 103/2019:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:

(…)

§ 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: (grifamos)

Da mesma forma, por que o segurado facultativo teria, a despeito do inciso VI, do artigo 15 da Lei 8.213/91, o período de graça de 6 meses após a cessação das contribuições e o segurado individual afastado do trabalho por incapacidade não teria nenhum mês sequer de período de graça após a cessação do benefício por incapacidade?

A interpretação teleológica da Lei 8.213/91, em conjunto com os primados constitucionais da seguridade social, demonstra que a intenção do legislador, ao criar o “período de graça”, foi justamente permitir que pessoas afastadas (por causas diversas, incluindo a incapacidade laboral) do mercado de trabalho, pudessem ter um período mínimo para recuperar sua capacidade contributiva, estando acobertado pelo plano de seguros.

O desemprego involuntário e o acometimento de doenças incapacitantes estão, por claro, na ordem das causas infortunísticas que devem ser acobertadas pelo seguro social. É justamente, por isso, que o legislador previu a manutenção da qualidade de segurado no prazo necessário e suficiente para o segurado retomar as suas devidas contribuições.

Foi justamente, nesse sentido, ao interpretar o artigo 15 e Incisos da Lei 8.213/91, que a  Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, no PEDILEF 2010.72.64.001730-7, em referência a precedentes do Superior Tribunal de Justiça,  uniformizou entendimento segundo o qual o segurado que deixa de contribuir para a Previdência Social em razão de comprovada incapacidade laboral, não perde a qualidade de segurado enquanto perdurar esta situação, bem como no período de 12 meses após a cessação do benefício por incapacidade. Vejamos, a ementa daquela decisão:

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. QUALIDADE DE SEGURADO NA DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO DURANTE O PERÍODO EM QUE O AUTOR FOI BENEFICIÁRIO DE AUXÍLIO-DOENÇA. PRECEDENTES DO STJ E DESTA TNU. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO PARA RESTAURAR A SENTENÇA. APLICAÇÃO DA QUESTÃO DE ORDEM 02/TNU. 1. Pedido de concessão de benefício de auxílio-doença, mediante reconhecimento da qualidade de segurado da autora na data do requerimento administrativo e na data de início da incapacidade. 2. Sentença de procedência do pedido. 3. Reforma da sentença pela 2ª Turma Recursal de Santa Catarina, ao argumento de que, considerando que a última contribuição vertida pela autora se refere à competência 12/2005, que esta permaneceu no gozo de auxílio-doença de 24.12.2005 a 28.08.2009, e que a percepção de benefício por incapacidade não suspenderia ou interromperia o período de graça, na data de início da incapacidade – janeiro de 2010 – a autora já não ostentava a qualidade de segurado. 4. Incidente de uniformização de jurisprudência, interposto pela parte autora, com fulcro no art. 14, § 2º, da Lei n.º 10.259/2001. 5. Sustenta a recorrente que o acórdão vergastado diverge da jurisprudência dominante do e. Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Regiões, que entendem não ocorrer a perda da qualidade de segurado em razão da percepção de benefício por incapacidade e conseqüente interrupção dos recolhimentos de contribuições previdenciárias durante o período. 6. O incidente foi inadmitido pela Presidência da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina, ao argumento de não restar comprovada a divergência alegada. 7. Com a devida vênia, entendo que o presente recurso deve ser conhecido. Diferentemente do afirmado pela decisão da Presidência da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina, o presente incidente de uniformização não trata do cômputo do tempo em que o segurado esteve no gozo de auxílio-doença como carência para fins de concessão de outro benefício previdenciário, mas sim da manutenção da qualidade de segurado enquanto a parte estiver no gozo de benefício por incapacidade. Esta é a divergência sustentada. 8. Inicialmente, deve-se ressaltar que os acórdãos apontados como paradigma do dissenso oriundos de Tribunal Regional Federal não podem ser considerados como representativos da divergência, uma vez que não atendem ao requisito previsto no art. 14, § 2º, da Lei n.° 10.259/01. 9. Os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, perfectibilizam a divergência alegada, comprovando o entendimento adotado pela 5ª e 6ª Turmas do e. STJ. 10. No caso concreto a autora percebeu benefício de auxílio-doença entre 24.12.2005 e 28.08.2008, permanecendo desempregada – conforme entendimento adotado pela sentença e pelo acórdão recorrido – até a data do requerimento administrativo (25.01.2010), o que estendeu o período de graça por 24 meses, consoante art. 15, II, § 2º da Lei n.º 8.213/91. Ocorre que, no caso concreto, não se pode considerar como início do período de graça o momento em que o segurado deixou de contribuir, uma vez que tal circunstância se deve ao início do percebimento de benefício por incapacidade, situação prevista pelo inciso I do referido art. 15, que faz com que a autora mantenha, nesse ínterim, a qualidade de segurado, dessa forma, o período de graça teria início somente a partir da cessação do auxílio-doença, período em que a autora não contribuiu, aí sim, voluntariamente, porquanto desempregada. 11. Nesse sentido, já se manifestou o e. STJ: “PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR URBANO. PREENCHIMENTO SIMULTÂNEO DOS REQUISITOS. IRRELEVÂNCIA. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. NÃOOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO MANTIDO. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça uniformizou seu entendimento no sentido de ser desnecessário o implemento simultâneo das condições para a aposentadoria por idade, visto que não exigida esta característica no art. 102, § 1º, da Lei 8.213/91. Assim, não há óbice à concessão do benefício previdenciário, mesmo que, quando do implemento da idade, já se tenha perdido a qualidade de segurado. 2. “Não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de contribuir para a Previdência Social em razão de incapacidade legalmente comprovada” (REsp 418.373/SP, Sexta Turma, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ 1º/7/02). 3. Recurso especial provido. (REsp 800.860/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 18/05/2009)”, ainda, “PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO NÃO CONFIGURADA. 1. Os Embargos de Declaração somente devem ser acolhidos se presentes os requisitos indicados no art. 535 do CPC (omissão, contradição ou obscuridade), não sendo admitidos para a rediscussão da questão controvertida. 2. O Trabalhador não perde a qualidade de segurado por deixar de contribuir por período igual ou superior a 12 meses, se em decorrência de incapacidade juridicamente comprovada. Precedentes do STJ. 3. Recurso Especial parcialmente provido, mas para retornar o feito à origem e ali ser decidido como de justiça. (REsp 956.673/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 30/08/2007, DJ 17/09/2007, p. 354)” Grifei. 12. Na mesma linha, este Colegiado: “PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE NA QUALIDADE DEPENDENTE. VIÚVA. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO DO DE CUJUS ATÉ SEU ÓBITO. CONFIGURAÇÃO DE PERMANÊNCIA DA INCAPACIDADE PARA O TRABALHO POSTERIOR À CESSAÇÃO DO AUXÍLIODOENÇA DEMONSTRADA NOS AUTOS. INTERPRETAÇÃO DO STJ APLICÁVEL À MATÉRIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O trabalhador que deixa de contribuir para a Previdência Social por período superior a doze meses, em razão de estar incapacitado para o trabalho, não perde a qualidade de segurado se demonstrada nos autos tal situação e, especialmente, pela precedência de auxílio-doença sob o mesmo fundamento da incapacidade apurada. 2. Posicionamento firmado no STJ quanto à matéria (REsp 543.629/SP). 4. Incidente conhecido e provido. (PEDILEF 200770950124664, JUÍZA FEDERAL ROSANA NOYA WEIBEL KAUFMANN, TNU – Turma Nacional de Uniformização, DJ 19/08/2009.)” 13. No caso concreto, nem se trata de ausência de contribuições em razão de incapacidade laboral sem o recebimento do benefício correspondente, situação na qual seria ônus do segurado comprovar a incapacidade naquele período, trata-se, em verdade, de situação na qual o segurado incapacitado para o labor – e em gozo de benefício por incapacidade – mantém a qualidade de segurado enquanto estiver nesta situação. 14. Ante a argumentação expendida, o voto é por uniformizar o entendimento de que o segurado que deixa de contribuir para a Previdência Social em razão de comprovada incapacidade laboral, não perde a qualidade de segurado enquanto perdurar esta situação, mormente se durante este período o segurado perceber benefício por incapacidade. 15. Dessa forma, deve ser dado provimento ao presente incidente de uniformização, restaurando-se a sentença prolatada em 1ºgrau. 16. Nos termos da Questão de Ordem n.° 02/TNU “O acolhimento do pedido de uniformização gera dois efeitos: a reforma da decisão da Turma Recursal e a conseqüente estipulação de honorários advocatícios, se for o caso, bem assim a prejudicialidade do recurso extraordinário, se interposto.”, fixo os honorários em 10% sobre o valor atualizado da causa. 17. Incidente de uniformização de jurisprudência conhecido e provido, nos termos acima. 18. Sugiro ao eminente Presidente desta Turma que imprima, ao resultado desse julgamento, a sistemática prevista no art. 7º, VII, ‘a’, do RITNU. ( grifamos)

Como se vê, tanto a TNU quanto STJ já interpretaram o artigo 15 e Incisos da Lei 8.213/91, extraindo da lei sua normatividade, sem que sequer fosse necessário citar o decreto regulamentar 3048/99 para definir a sua exegese.

O que se entende, portanto, é que o Poder Executivo, no uso das suas atribuições regulamentares, a partir do Decreto 10.410/2020, tentou suprimir a correta intepretação do artigo 15 e seus Incisos, da Lei 8.213/91, feita pelo artigo 13, II, do Decreto 3048/99.

Tal supressão, contudo, não deve ter eficácia prática, pois o artigo 15, e incisos da Lei 8.213/91 permanecem válidos, eficazes e com aplicabilidade imediata, independentemente de novas regulamentações. Daquele dispositivo legal, se extrai o verdadeiro sentido da norma que é proteger o segurado em situações de infortúnio, garantindo-lhe o direito de permanecer acobertado pela previdência social, durante um período mínimo em que busca a retomada das suas atividades laborais e, consequentemente, a adimplência com as contribuições previdenciárias devidas.

Nesse caso, a correta leitura do texto legal, permanece aquela que era expressa pelo artigo 13, II, do Decreto 3048/99, ora suprimido, ou seja, de que “mantém a qualidade de segurado, independente de contribuições, “até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade ou após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela previdência social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração”.

CONCLUSÃO

A atual vertente neoliberal que se apresenta na política pátria tem como uma das características a imposição de planos de privatização do setor público e o menosprezo pelas políticas de bem-estar social.

Sob o ideal de que o Estado deve ser mínimo, se escusando de responsabilidades sobre a segurança do trabalhador em situações de contingência social, a previdência pública e social vem sendo desnaturada e a sua base protetiva se extinguindo pelas sucessivas alterações legislativas.

Fica evidente que a intenção do Poder Executivo, sob a batuta do Ministério da Economia, é suprimir, ao máximo, os direitos sociais que protegem os cidadãos de situações infortunísticas, tendo em vista que geram custos para o Estado e, em última análise, afasta a possibilidade de maior oferta de produtos e serviços privados relacionados à cobertura securitária.

O assunto deste ensaio não foge a esta realidade. Ficou claro que a intenção Governo Federal foi de – ao suprimir o artigo 13, II, do Decreto 3048/99, a partir do novo texto do Decreto 10410/20- retirar o direito dos segurados que estavam em gozo de benefício por incapacidade de permanecerem com a qualidade de segurado, pelos 12 meses subsequentes à cessação do benefício, sem que fosse necessário verter contribuições.

Todavia, conforme constatamos na presente abordagem, tal alteração, a nosso sentir, não terá efeito prático, já que o artigo 15 e seus incisos, da Lei 8.213/91 permanecem válidos, eficazes e com aplicabilidade imediata, independentemente de novas regulamentações.

A correta exegese daqueles dispositivos legais, já interpretados pelo STJ e pela TNU, garante que todo segurado que “deixa de exercer atividade remunerada” e passa a perceber benefício por incapacidade temporária ou permanente tenha mantida a qualidade de segurado por 12 (doze) meses após a cessação do benefício previdenciário que estava percebendo.

Apesar disso e, diante das inúmeras discussões judiciais que, certamente, decorrerão da referida alteração promovida pelo Decreto 10.410/2020, recomenda-se aos advogados e segurados que se mantenham atentos, a partir de então, para a questão da manutenção da qualidade de segurado após a cessação do benefício por incapacidade.

Se for possível, é recomendável que o segurado recolha, logo na competência seguinte à cessação do benefício, ao menos uma contribuição previdenciária, a fim de que não esteja sujeito a qualquer outra interpretação restritiva por parte do INSS e, estando sem exercer atividade remunerada, mantenha a sua qualidade de segurado pelo período de 12 (doze) meses após aquela contribuição.

Fernanda Campos – Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Co-autora do Livro: Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018