Por: Fernanda Carvalho Campos e Macedo – Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Co-autora do Livro: Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018
1-Introdução
A rubrica do Adicional Noturno é uma verba de caráter indenizatório, que visa compensar o trabalhador em razão do trabalho mais desgastante realizado no período noturno, compreendido entre as 22:00 horas de um dia e 05:00 horas do dia seguinte.
O direito ao referido adicional não ostenta qualquer dúvida em relação ao empregado celetista, ou seja, aquele regido pelas normas da CLT- Consolidação das Leis Trabalhistas. A celeuma se instaura quando o direito é invocado pelos servidores públicos, os quais não tem o referido pagamento devidamente efetuado por diversos órgãos da Administração Pública, o que reclama, na maioria das vezes, a busca pela tutela judicial.
É sobre este assunto que trabalharemos neste texto. O direito ao adicional noturno dos Agentes Penitenciários de Minas Gerais através da correspondente ação judicial declaratória cumulada com cobrança de parcelas pretéritas e a possibilidade, inclusive, do acordo judicial.
2- DA PREVISÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL DO REFERIDO ADICIONAL
A Constituição da República preconiza no artigo 7º, inciso IX, que é direito dos trabalhadores a “remuneração do trabalho noturno superior à do diurno”.
Já o disposto no artigo 39, §3º, também da Carta Magna estende tal direito aos servidores públicos, incluindo os Agentes Penitenciários ou Polícia Penal.
Não é demais lembrar que o artigo 5º, § 1º, da Constituição estabelece que os direitos e garantias fundamentais, no caso o adicional noturno, que estiverem previstas em normas definidoras de direito fundamental, tem aplicabilidade imediata.
O adicional noturno, além de estar presente na Constituição Federal, tem previsão regulamentadora em diploma normativo infraconstitucional, qual seja na Lei n° 10.745/92 do Estado de Minas Gerais, especificamente no artigo 12 desta lei, abaixo transcrito:
Art. 12 – O serviço noturno, prestado em horário compreendido entre às 22 (vinte e duas) horas de um dia e às 05 (cinco) horas do dia seguinte, será remunerado com o valor-hora normal de trabalho acrescido de 20% (vinte por cento), nos termos de regulamento. (grifo nosso)
A atividade do agente penitenciário encontra-se regulamentada na Lei Estadual n° 14.695/2003, que foi responsável por criar a Superintendência de Coordenação da Guarda Penitenciária e a Diretoria de Inteligência Penitenciária. Neste diploma legal estão presentes as atribuições dos Agentes Penitenciários no desempenho de suas funções, com regulamento e maiores especificações pelo artigo 2º do Decreto Estadual n° 43.960 de 2003.
O artigo 118, do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Minas Gerais (Lei n° 869 de 1952), prevê, com clareza, no Título VII, Dos Direitos, Vantagens e Concessões, que os servidores públicos farão jus aos adicionais previstos em Lei. A Constituição do Estado de Minas Gerais, considerada Lei em sentido amplo, prevê, em seu artigo 31, o seguinte:
“Art. 31. O Estado assegurará ao servidor público civil da Administração Pública direta, autárquica e fundacional os direitos previstos no art. 7°, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, da Constituição da República e os que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social e da produtividade e da eficiência no serviço público, em especial o prêmio por produtividade e o adicional de desempenho. § 1° A lei disporá sobre o cálculo e a periodicidade do prêmio por produtividade a que se refere o “caput” deste artigo, o qual não se incorporará, em nenhuma hipótese, aos proventos de aposentadoria e pensões a que o servidor fizer jus e cuja concessão dependerá de previsão orçamentária e disponibilidade financeira do Estado. § 2° O adicional de desempenho será pago mensalmente, em valor variável, calculado nos termos da lei, vedada sua concessão ao detentor, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. § 3º … § 6° Fica assegurado ao servidor público civil o direito a: I – … III – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas.”
As remissões feitas pelo art. 31 da Constituição do Estado de Minas Gerais indicam a aplicação, ao servidor público civil, dos seguintes benefícios ou direitos previstos na CF/88:
- a) salário mínimo, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim (Art. 7º, IV);
- b) garantia de salário não inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável (Art. 7º, VII);
- c) décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria (Art. 7º, VIII);
- d) remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (Art. 7º, IX);
- e) salário-família ao dependente de servidor de baixa renda (Art. 7º, XII);
- f) duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo (Art. 7º, XIII);
- g) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (Art. 7º, XV);
- h) remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal (Art. 7º, XVI);
- i) férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais que o salário normal (Art. 7º, XVII);
- j) licença à gestante, com duração de 120 dias (Art. 7º, XVIII);
- l) licença-paternidade (Art. 7º, XIX, fixado provisoriamente em 5 dias pelo Art. 10, § 1º, do ADCT);
- m) proteção do mercado de trabalho da mulher (Art. 7º, XX,);
- n) redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (Art. 7º, XXII);
- o) proibição de diferença de salário, funções ou critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (Art. 7º, XXX) ( grifos nossos)
Desta forma, é inegável o direito dos agentes penitenciários, que atuam no Estado de Minas Gerais, receberem mencionado adicional, no importe de 20% sobre o valor-hora normal de trabalho, quando exercerem atividades no período noturno.
Em relação ao tema, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, já se manifestou e firmou entendimento no sentido de reconhecer o direito ao adicional noturno aos Agentes de Segurança Penitenciário. Senão vejamos:
EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO VOLUNTÁRIO – AÇÃO DE COBRANÇA – SENTENÇA CITRA PETITA – JULGAMENTO IMEDIATO PELA INSTÂNCIA RECURSAL, COM FULCRO NO ART. 1.013, §3°, DO CPC – SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – AGENTE DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIO – ADICIONAL NOTURNO – DIREITO COM PREVISÃO CONSTITUCIONAL – PAGAMENTO DEVIDO – REGIME DE ESCALA DE PLANTÃO – IRRELEVÂNCIA – REFLEXOS REMUNERATÓRIOS – EXISTÊNCIA DO DIREITO APENAS QUANTO AO DEMANDANTE QUE DEMONSTROU HABITUALIDADE – AUSÊNCIA DE EXIBIÇÃO DA TOTALIDADE DOS DOCUMENTOS DETERMINADOS PELO JUÍZO – EFEITOS LEGAIS – PRESUNÇÃO INSERTA NO ART. 400 DO CPC – CONSECTÁRIOS LEGAIS – CONCLUSÃO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 870947/SE (TEMA 810) DO STF – MANUTENÇÃO DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DA TR, SEM MODULAÇÃO DE EFEITOS – APLICAÇÃO CONJUNTA DOS PRECEDENTES VINCULANTES FORMADOS NO TEMA 810 DO STF E DO RESP. Nº 1495146/MG (TEMA 905) DO STJ – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DO DECRETO Nº 20.910/1932 E DO ENUNCIADO Nº 85 DA SÚMULA DO STJ – OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA – ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA – DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL – IMPRESCINDIBILIDADE – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – CONDENAÇÃO ILÍQUIDA – ARBITRAMENTO POSTERGADO.
(…) .
O Agente de Segurança Penitenciário, servidor público efetivo vinculado ao Estado e prestador de serviço noturno, tem direito ao recebimento do respectivo adicional, por se tratar de direito constitucionalmente garanti do aos servidores públicos, consoante disposto no art. 7º, IX, c/c art. 39, §3º, da CR/1988 e art. 31 da Constituição do Estado de Minas Gerais.
(…) (TJMG – Ap Cível/Rem Necessária 1.0313.13.016238-8/001, Relator(a): Des.(a) Leite Praça , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/08/2020, publicação da súmula em 21/08/2020) (grifo nosso)
EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO DE COBRANÇA. SERVIDOR PÚBLICO EFETIVO. AGENTE DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIO. ADICIONAL NOTURNO. DIREITO SOCIAL. LEI ESTADUAL Nº 10.745/92. AUTOAPLICÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA SOBRE A CONDENAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO DE PERCENTUAL NA FASE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA. Em se tratando de servidor público do Estado de Minas Gerais, o direito ao recebimento do adicional noturno tem guarida no art. 12, da Lei Estadual nº 10.745/92, que é norma autoaplicável, de modo que, comprovado pelo autor o labor em horário noturno, faz jus ao recebimento do referido adicional. (…) (TJMG – Remessa Necessária-Cv 1.0000.20.445250-2/001, Relator(a): Des.(a) Wagner Wilson , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/07/2020, publicação da súmula em 06/08/2020)
3-DA POSSIBILIDADE DE ACORDO
O Estado de Minas Gerais, nos processos que atuamos, vem oferecendo proposta de acordo aos servidores que ingressaram com o pedido pela via judicial. É sempre importante lembrar, no entanto, que toda proposta de acordo deve ser analisada sob critérios jurídicos e contábeis a fim de se evitarem prejuízos ao jurisdicionado. É preciso elaborar uma planilha analítica com os valores devidos, com os correspondentes consectários legais (juros e correção monetária) e compará-la com o valor ofertado pelo Estado.
De um lado, uma sentença homologatória de acordo gera vantagens para o jurisdicionado quando se sabe que não haverá recurso e que os créditos poderão ser liberados com maior rapidez. De outro lado, a depender dos valores finais ofertados, o prejuízo pode não compensar o tempo de espera. A decisão é sempre do cliente, mas seu advogado tem o dever de lhe apresentar todas as hipóteses e cálculos a fim de que ele tome a melhor decisão.
4-CONCLUSÃO
Considerando a legislação supra citada e as recentes decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, todos os servidores civis do Estado de Minas Gerais, desde que trabalhem no período compreendido entre as 22:00 horas de um dia e 05:00 horas do dia seguinte, fazem jus ao Adicional Noturno, inclusive os Agentes Penitenciários, sendo possível buscar a tutela judicial para o usufruto do direito.
Recomendamos, entretanto, que o cidadão, ao buscar a justiça, esteja acompanhado de advogado/defensor de sua confiança. Isso, pois, apesar da oferta do jus postulandi, há casos em que a análise fática; a instrução probatória (e aqui, recomendamos que se faça, previamente, o pedido administrativo com o correspondente cálculo do valor da cobrança a fim de que fique claro o interesse de agir e não se alegue depois, na via judicial, o contrário, extinguindo-se o feito sem resolução do mérito); a argumentação trazida pelo patrono farão toda a diferença na concessão do direito e, inclusive, na percepção de parcelas pretéritas. Nesse sentido, não é demais relembrar a dicção do artigo 133 da Constituição Federal de 1988, que diz: ” Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
“dormientibus non succurrit jus”