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A Suspensão de aposentadoria por invalidez por ausência de exames médicos atualizados pode caracterizar cerceamento de defesa

A Suspensão de aposentadoria por invalidez por ausência de exames médicos atualizados pode caracterizar cerceamento de defesa

 

Fernanda Carvalho Campos e Macedo- Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Coautora do Livro: Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018; e

Milena Pereira- Estagiária de Direito no Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Graduanda em Direito pela UFJF; Ex estagiária na Secretaria da Fazenda da Prefeitura de Juiz de Fora-MG;

“Um tratorista com hérnia de disco lombar acionou o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) a fim de reestabelecer o benefício de aposentadoria por invalidez, pagamento suspenso após a perícia concluir que o trabalhador não seria incapaz devido à falta de exames recentes que comprovassem a situação.

O homem alegou cerceamento de defesa (falta de oportunidade para se manifestar), pois ele não foi informado de que deveria realizar novos exames e o laudo médico foi baseado apenas na afirmação de que não foram apresentados exames recentes.

Para a relatora, desembargadora federal Maura Moraes Tayer, “a perícia se destina ao exame da afirmação de que o segurado havia realmente se recuperado da enfermidade que deu origem à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez. Para isso há necessidade, sem dúvida, de realização de exames complementares para subsidiar as conclusões do laudo”.

Como ficou comprovado que o autor não foi intimado para apresentar resultados de exames complementares atualizados e que estes não foram exigidos pelo perito, a 1ª Turma do TRF1, de forma unânime, entendeu que houve cerceamento de defesa e determinou o retorno dos autos ao juízo de origem para o regular processamento da ação. “(Fonte: Comunicação Social TRF1- Noticia do dia 03/03/2022)

Os fundamentos da decisão acima, nos autos do processo nº Processo: 1007401-09.2021.4.01.9999, publicada em 14/02/2022, vão ao encontro do que diz o Art. 473, §3º do CPC, a seguir transcrito:

Art. 473. O laudo pericial deverá conter:

        • 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.

Em muitos casos, observamos o perito judicial dar respostas do tipo: “não há elementos nos autos capazes de inferir a conclusão”. Nos casos de benefícios previdenciários, as telas SABI, Hismed, os documentos juntados pelo autor no processo administrativo, exames complementares podem ajudar o perito ao esclarecimento dos fatos. É justamente isso que o legislador dispôs: “o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários (…) ao esclarecimento do objeto da perícia”.

A própria Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS previu, no âmbito administrativo, que exames complementares subsidiam a melhor conclusão na análise médico-pericial no que se refere à fixação da DID e da DII. Nesse sentido:

Art. 304. O INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico-pericial, o prazo suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado.

        • 1º Na análise médico-pericial deverá ser fixada a data do início da doença – DID e a data do início da incapacidade – DII, devendo a decisão ser fundamentada a partir de dados clínicos objetivos, exames complementares, comprovante de internação hospitalar, atestados de tratamento ambulatorial, entre outros elementos, conforme o caso, sendo que os critérios utilizados para fixação dessas datas deverão ficar consignados no relatório de conclusão do exame (INSS, 2015, grifos nossos).

Além disso, a resolução 1488/98 do Conselho Federal de Medicina preconiza em seu art. 10, inciso I que faz parte das atribuições e deveres do perito examinar clinicamente e solicitar os exames complementares necessários. Nesse sentido:

Art. 10 – São atribuições e deveres do perito médico judicial e assistentes técnicos:

 I – Examinar clinicamente o trabalhador e solicitar os exames complementares.

O antigo Manual de Perícias Médicas da Previdência Social (http://artigos.alanprofessordireito.com.br/manual_.pdf)  dispunha sobre a possibilidade do médico perito requisitar exames complementares para a melhor conclusão possível sobre a incapacidade ou não do segurado. Vejam-se os trechos pertinentes:

8 – Requisição de Exames

8.1 – Antes de proferir a conclusão médico-pericial é facultado à perícia médica a requisição de exames complementares e especializados que julgar indispensáveis, de acordo com as normas técnicas.

8.1.1 – Quando se tratar de exame inicial, a requisição de exames complementares ou especializados não deverá ser solicitado com a emissão de RE. O ônus da comprovação da incapacidade é do requerente.

8.2 – A requisição só deverá ser efetuada quando seu resultado for indispensável para avaliação da incapacidade ou de sua duração.

8.3 – Toda a requisição de exames complementares deverá ser bem justificada.

8.3.1 – Determinados exames e pareceres relacionados na Tabela de Honorários Médicos – Perícia Médica (THMP) somente podem ser solicitados com justificativa e com prévia autorização da Chefia do Serviço/Seção de Gerenciamento de Benefícios por Incapacidade.

8.3.2 – As solicitações desses exames, constantes de diligências da Junta de Recursos (JR), Vara de Acidente de Trabalho ou exigidos pela Procuradoria da Autarquia para responder a ações judiciais, não sofrem as limitações apontadas, cabendo ao órgão executivo, quando for o caso, justificar, ou não, o atendimento. 8.4 (…) .(grifamos)

Sobre a questão da importância dos exames complementares à plena cognição do perito sobre a incapacidade, o Professor Alan da Costa Macedo (2017) ensinou:

A sintomatologia referente às patologias diagnosticadas pelos médicos assistentes também deve ser bem caraterizada através dos dados de: localização, intensidade, frequência, fatores de exacerbação ou atenuantes para que seja possível, eventualmente, se identificar eventuais simulações. O registro dos antecedentes, a evolução da doença, os tratamentos realizados, as eventuais internações hospitalares, também são muito importantes para a conclusão médico-pericial da capacidade ou incapacidade laboral, além de se possibilitar a data de início da doença e da incapacidade.

Além da análise clínica por palpação, percussão e ausculta referentes aos aparelhos e sistemas afetados, é necessário, sempre que possível, o pedido de exames complementares que possam ratificar os testes clínicos realizados. Na impossibilidade, os exames clínicos são suficientes, quando bem fundamentados, quantificados e qualificados para a conclusão do exame pericial. (MACEDO, 2017,p.104, grifamos)

Sobre o mesmo tema, o professor Alan concluiu:

Já identificamos inúmeros casos em que o perito médico, ao responder os quesitos que lhe foram propostos de forma não detalhada do tipo: “sim”, “não” e “resposta prejudicada”, ainda diz em algumas situações que não tinha elementos nos autos para fazer determinada conclusão. Estamos certos que, com a correta anamnese, a realização de testes clínicos, o pedido de exames complementares, o conhecimento básico da legislação previdenciária, o perito, tal como disciplina o Manual de Perícias ora estudado, tem condições de firmar um diagnóstico provável, pelo menos genérico ou sindrômico (define síndrome de qualquer natureza), de modo a lhe permitir uma avaliação de capacidade funcional e de capacidade laborativa. O que ocorre é que a falta de capacitação de médicos na ciência “perícia médica” tem se tornado um problema para o adequado trabalho pericial, principalmente, quando se trata de perícia médica judicial. (MACEDO, 2017,p.106, grifamos)

O perito é um investigador de fatos à luz de determinada ciência e não pode agir com base em “adivinhações”. Um laudo médico não é uma simples informação, mas sim uma opinião pautada em evidências, com o objetivo de esclarecer o juízo e as partes, de modo seguro e convincente, sobre a matéria que lhe foi destinada.

No laudo pericial, o perito só pode formular raciocínios dedutivos quando não for possível (dada a inexistência, por exemplo, de elementos que permitam a realização de exames técnicos complementares) e, após deixar explícita essa condição, indicar também de forma expressa, uma conclusão indutiva, que servirá então como um certo tipo de ponto de apoio para que o juiz, com suporte em outras provas complementares, possa decidir acerca do tema.

Assim, não pode o perito concluir que algo ocorreu de determinada forma, porque via de regra assim ocorre, sem afastar, fundamentadamente, todas as hipóteses que poderiam indicar ou a não ocorrência do evento, ou sua origem diversa do habitual. No mesmo sentido, o perito não pode se negar a fornecer uma conclusão sem que antes tenha solicitado algum exame complementar a subsidiar a sua decisão.

REFERENCIAS

 

INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS). Instrução Normativa nº 77/2015. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/32120879/do1-2015-01-22-instrucao-normativa-n-77-de-21-de-janeiro-de-2015-32120750. Acesso em: 20/03/ mar. 2021.

MACEDO, Alan da Costa. Benefícios Previdenciários por Incapacidade e Perícias Médicas. Curitiba: Juruá, 2017.