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A possibilidade de conversão do tempo especial em comum para os servidores públicos e o sempre necessário planejamento previdenciário

Os servidores públicos, até o julgamento do Tema 942 do STF, viviam grande incerteza sobre a possibilidade jurídica de se converter o tempo de serviço laborado com exposição a agentes insalubres ou perigosos, passíveis de causar algum prejuízo a sua saúde em tempo comum de serviço. A ausência de previsão legal específica era o grande entrave para o usufruto do direito constitucional que lhes era assegurado.

Ao contrário do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos, no Regime Geral de Previdência Social, havia expressa previsão da conversão de tempo especial em comum (art. 57, § 5º da Lei 8.213/91). Diante da lacuna normativa, a matéria, então, vinha sendo balizada à luz do entendimento do STF, consolidado pela Súmula Vinculante nº. 33, que assim a disciplinou:

“Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.”

Apesar da Sumula vinculante determinar que, na ausência de legislação específica para o RPPS, dever-se-ia aplicar a legislação do RGPS até que houvesse regulamentação própria, ainda remanesciam dúvidas sobre a aplicabilidade de alguns institutos, entre os quais se destaca, justamente, “a conversão do tempo especial em comum”. A insegurança jurídica reinava, já que alguns juízes entendiam que era possível a referida conversão, outros não.

Indagava-se o “porquê” do tratamento antisonômico entre os trabalhadores do Regime Geral de Previdência e os servidores do Regime Próprio, já que o fato gerador para a contagem de tempo diferenciada se dava em razão da “efetiva exposição do trabalhador a algum agente que lhe causasse prejuízo a sua saúde”, independe do regime ou do tipo de contrato de trabalho.

Recentemente, o STF já havia julgado o Mandado de Injunção nº 4204/DF fixando tese favorável ao direito dos servidores públicos, considerando que “a contagem de tempo de trabalho exercido em condições prejudiciais à saúde do servidor público decorre diretamente do Direito à aposentadoria previsto no artigo 40, § 4º da CF/88”. Ocorre que, não tendo o Mandado de Injunção efeito vinculante e erga omnes (para todos), a insegurança jurídica perdurava.

Em 20/04/2017, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do tema, conforme decisão abaixo ementada:

Ementa

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PEDIDO DE AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADES EXERCIDAS SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS QUE PREJUDIQUEM A SAÚDE OU A INTEGRIDADE FÍSICA DO SERVIDOR, COM CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM, MEDIANTE CONTAGEM DIFERENCIADA, PARA OBTENÇÃO DE OUTROS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. QUESTÃO NÃO ABRANGIDA PELO ENUNCIADO DA SÚMULA VINCULANTE 33. REITERAÇÃO DA CONTROVÉRSIA EM MÚLTIPLOS PROCESSOS. IMPACTO DA DECISÃO NO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DA PREVIDÊNCIA PÚBLICA. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Decisão

Decisão: O Tribunal, por maioria, reputou constitucional a questão, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Ministro LUIZ FUX Relator

 

Em 31/08/2020, nos autos do Recurso Extraordinário nº 1014286, Tema 942 do STF, a partir do voto do relator do acórdão, Ministro Edson Fachin, a matéria (reconhecimento da isonomia de tratamento entre trabalhadores do Regime Geral de Previdência e os servidores do Regime Próprio) foi, enfim, resolvida, ficando pacificada a tese em favor dos servidores, conforme trecho daquele voto a seguir transcrito:

“Uma interpretação sistemática e teleológica do art. 40, § 4°, permite verificar que a Constituição, impõe a construção de critérios diferenciados para o cômputo do tempo de serviço em condições de prejuízo à saúde ou à integridade física. Ao permitir a norma constitucional a aposentadoria especial com tempo reduzido de contribuição, verifica-se que reconhece os danos impostos a quem laborou em parte ou na integralidade de sua vida contributiva sob condições nocivas, de modo que nesse contexto o fator de conversão do tempo especial em comum opera como preceito de isonomia, equilibrando a compensação pelos riscos impostos.” (grifos nossos)

Nesse sentido, com base no primado da “isonomia”, levantado pelo Ministro Edson Fackin, (contrariando o teórico defensor da análise econômica do Direito, relator do RE, Ministro Luiz Fux), obteve-se, por maioria, julgamento favorável à pretensão dos servidores e desfavorável à tese da AGE do Estado de São Paulo, a fim de reconhecer a possibilidade da conversão do tempo especial em comum e seu respectivo cômputo na aposentadoria dos servidores públicos, conforme decisão abaixo transcrita:

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 942 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Luiz Fux (Relator), que dava provimento ao recurso. Foi fixada a seguinte tese: “Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República”. Os Ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Roberto Barroso, fixavam tese diversa. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 21.8.2020 a 28.8.2020.  conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República” (grifos nossos)

Dessa forma, tornou-se definitivamente clara a possibilidade de conversão de tempo especial em comum para os servidores públicos ocupantes de cargos que gerem a exposição a agentes insalubres ou perigosos, até 13 de novembro de 2019. Tal possibilidade acarretará um acréscimo de tempo de serviço de 40% para homens, enquanto para as mulheres, o acréscimo será de 20%, conforme preveem as regras do regime geral de previdência social.

A justificativa para reconhecer como tempo especial e permitir a respectiva conversão em tempo comum acima citada, apenas até novembro de 2019, decorre do fato de que foi nessa época que entrou em vigor a EC 103/2019, fruto da reforma da previdência, que vedou a conversão de tempo especial em comum, inclusive para os trabalhadores do regime geral de previdência social.

Muitos são os casos em que a tese firmada no STF permitirá excelentes vantagens para os servidores públicos que já não contavam com tal conversão nos seus planejamentos de aposentadoria. É importante, contudo, que sempre se consulte um advogado especialista em Direito previdenciário a fim de que, com base no histórico contributivo, na aplicação da legislação no tempo, na eventual conversão de períodos laborados antes e durante o ingresso no serviço público, na possibilidade de indenização por lacunas contributivas , na análise pormenorizada do estatuto do servidor, e  na existência ou não contratação de previdência complementar pública ou privada ( regimes abertos e fechados de previdência complementar); se forneça um planejamento financeiro, securitário e previdenciário adequado e assertivo para conquista do melhor benefício.

Em algumas hipóteses, principalmente naquelas em que o servidor exerce ou exerceu por muito tempo atividade no Regime Geral de Previdência, o parecer é feito no sentido de não se utilizar o período de RGPS a fim de que, no futuro, seja possível ao servidor acumular a aposentadoria dos dois regimes.

Noutros casos de acumulação legal de cargos públicos e/ou, ainda, com atividades privadas, o parecer do advogado pode oferecer cálculos de RMI com vantagens financeiras importantes a depender do planejamento de aposentadoria que for feito, o que resultará nos melhores benefícios para o segurado.

O planejamento previdenciário por profissional de confiança é, portanto, sempre recomendável.

 

 

Fernanda Campos – Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Co-autora do Livro: Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018