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A aposentadoria especial dos pilotos de aeronaves e comissários de bordo

A aposentadoria especial dos pilotos de aeronaves e comissários de bordo

Por:  Fernanda Carvalho Campos e Macedo – Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Co-autora do Livro:  Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018

 

O direito dos Pilotos de Aeronaves e comissários de bordo à Aposentadoria Especial e o uso do EPI

 

 

Os profissionais que trabalham em aviões e helicópteros estão continuamente expostos a agentes insalubres e perigosos, tais como o alto ruído oriundo dos motores das aeronaves; necessidade de acompanhamento do abastecimento das aeronaves; exposição à pressão atmosférica diferente da normal e a exposição a alguns tipos de radiação.

A Aposentadoria Especial é um benefício previsto para o Regime Geral de previdência (Administrado pelo INSS) e para os RPPS (Regimes próprios de previdência dos servidores públicos) e prevê um regime diferenciado para um grupo de profissionais que tem contato habitual e permanente com agentes insalubres e/ou perigosos, como frio, calor, agentes químicos, agentes biológicos, pressão atmosférica, radiação, eletricidade, entre outros no ambiente de trabalho.

Trata-se de benefício, primeiramente estabelecido no Art. 201, §1º e Inciso II da Constituição Federal de 1988, nestes termos:

 

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:

§ 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados:

(…)

II – cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. (grifamos)

 

O maior objetivo da Aposentadoria Especial é compensar os trabalhadores que estão habitualmente expostos a agentes que tem o potencial de prejudicar a sua saúde (insalubridade) ou de gerar “riscos” a sua incolumidade (periculosidade) a partir da redução do tempo de serviço/contribuição necessário ao alcance da aposentadoria.

Pressupõe-se que, quem trabalha colocando a sua vida ou saúde em risco, deve se aposentar antes como um tipo de “reconhecimento pelo risco despendido” ; pelo desgaste orgânico e psicológico decorrente da especificidade do trabalho e pela  dedicação a um tipo de atividade que alguns não teriam a possibilidade de exercer diante das exposições próprias da atividade.

O Supremo Tribunal Federal, ao analisar se o fornecimento de EPI (Equipamento de proteção individual) serve como fator de descaracterização do tempo especial, definiu o seguinte:

A aposentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõe-se para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste naturalmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo (…) I- O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II- Na hipótese de exposição do trabalhador à ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual-EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (Repercussão geral tema 555, ARE 664.335/SC, Rel. Min. Fux, Dje 12.02.2015, grifamos). 

A reforma da Previdência não trouxe nenhum item novo que acrescentasse nova visão interpretativa sobre o uso do EPI eficaz. Portanto, entendemos que a decisão do STF acima mencionada permanece hígida e eficaz nesses casos.

 

Aposentadoria Especial por insalubridade/periculosidade e a Reforma da Previdência

 Mesmo com o advento da Reforma da Previdência, remanesce o direito à Aposentadoria Especial para o segurado que exerceu sua atividade laborativa sujeito a agentes prejudiciais a sua saúde e integridade física, respeitando o tempo de 15, 20 ou 25 anos de contribuição, conforme o caso.

As atividades amplamente prejudiciais, como mineração de subsolo e trabalho em pressões atmosféricas muito diferenciadas, como os mergulhadores, pilotos de aeronaves e comissários de bordo tem enquadramento específico. Nesse sentido, é a decisão do TRF4 abaixo ementada:

 

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. ATIVIDADE ESPECIAL. PILOTO E COPILOTO DE AERONAVE. PRESSÃO ATMOSFÉRICA ANORMAL. TUTELA ESPECÍFICA.

1.O reconhecimento da especialidade da atividade exercida sob condições nocivas é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador (STJ, Recurso Especial Repetitivo n. 1.310.034).

(…)

4.A exposição à pressão atmosférica anormal a que os pilotos de aeronaves estão sujeitos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial, à semelhança dos comissários de bordo. Precedentes desta Corte.

5.Comprovado o tempo de contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição integral, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91.

6.Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do CPC/2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determina-se o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias.

(TRF4, AC 5015477-95.2016.4.04.7201, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 20/10/2020, grifos nossos)

 

No caso do piloto de aeronaves e comissários, a regra é de aposentadoria com 25 anos de tempo de trabalho na mesma função e, caso não seja esse tempo total de trabalho, é possível converter o tempo especial em tempo comum até o advento da reforma da previdência (EC 103/2019, vigente desde 13/11/2019).

Quanto ao enquadramento do piloto e dos comissários de bordo por “periculosidade”, há de se ressaltar que o Senado Federal, na época da discussão sobre a PEC  06/2019 (posteriormente convertida na EC 103/2019), aprovou um “destaque” excluindo do texto originário o trecho que vedava o direito à aposentadoria especial a quem trabalhasse em situações “perigosas”.

Tal questão, porém, deve ser regulamentada por meio de lei complementar, mas entendemos que, até então, é plenamente possível a caracterização da periculosidade. Apesar de não ser um direito previsto expressamente por lei, a noção de “nocividade” engloba a de “periculosidade”, o que faz com que diversos Tribunais garantam ao trabalhador o reconhecimento.

O importante é que o trabalhador, de posse do seu PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) tenha suas atividades corretamente descritas e que consulte sempre um advogado previdenciarista de sua confiança para verificar se o seu caso não depende de uma retificação daquele documento para que nele conste a efetiva exposição aos agentes nocivos/perigosos e a descrição pormenorizada das suas atividades habituais. Há casos em que o patrono deve requerer uma perícia para confirmar o que, no direito do trabalho, chamamos de “primazia da realidade”.

 

Quem pode requerer o benefício?

 A aposentadoria especial do aeronauta (todo aquele que exerce função remunerada a bordo de aeronave civil) está assegurada desde o Decreto Lei nº. 158/1966, que previa, em seu Art. 3º, a concessão da aposentadoria especial para os aeronautas que contassem com 45 anos de idade e 25 anos de serviço. Durante um bom tempo, o mero exercício daquela atividade já garantia o reconhecimento da atividade especial.

Todavia, desde 28/04/1995 para se ter direito à Aposentadoria Especial, é necessário comprovar a exposição aos agentes de risco através do PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário e, quando necessário, do Laudo Técnico das Condições do Ambiente de Trabalho (LTCAT). Há casos, como dito acima, que será necessária a retificação do PPP e até mesmo do LTCAT através de uma perícia técnica.

Nesse sentido, os Pilotos de Avião e Comissários, que têm contato direto com agentes insalubres e/ou perigosos, comprovável por aqueles documentos, podem buscar o seu direito à Aposentadoria Especial junto ao órgão previdenciário correspondente (RGPS: INSS e RPPS: Órgão específico para cada Estado ou da União Federal), desde que cumprido o tempo de contribuição e comprovada a exposição habitual e permanente aos agentes nocivos/perigosos.

 

Quanto Tempo de contribuição é necessário para o caso dos Aeronautas?

 No caso da aposentadoria especial para os aeronautas, é necessário ter 25 anos exclusivamente na atividade nociva/perigosa. Caso o segurado não tenha trabalhado todo o período na função e tenha outros tempos de serviço em atividades comuns, ainda assim, poderá ter o tempo de trabalho especial convertido para comum (até 13/11/2019- Data da vigência da EC 103/2019) para aumento do seu tempo de contribuição e alcance do período mínimo para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição (direito este previsto, sem a exigência de idade mínima, até a data da Reforma da Previdência).

 

O cálculo da conversão é simples: aumente-se 40% do tempo trabalhado em condições especiais para os homens e 20% para as mulheres. Assim, a cada ano de trabalho em condições especiais, o homem ganha quatro meses e oito dias a mais e, no caso da mulher, dois meses e quatro dias.

 

É preciso ficar atento, no entanto, nos casos de conversão de tempo especial em comum, na incidência do “fator previdenciário”, que é uma formula matemática que provoca redução da RMI (renda mensal inicial) para algumas hipóteses de aposentadoria por tempo de contribuição.

 

Um planejamento previdenciário bem feito pode resultar em grandes melhorias na RMI através de: a)  indenização do órgão previdenciário por lacunas contributivas ( tempo de serviço realizado, mas não constante no CNIS ou na CTC); b) postergação da aposentadoria para data em que a completude de requisitos gere o direito a uma determinada regra de transição ( regras constantes na Reforma da Previdência que denotam um certo respeito a quem já estava na vida ativa há bastante tempo e pode ser duramente prejudicado pelas mudanças legislativas)  mais favorável. Sobre o tema “planejamento previdenciário” escrevemos em outra oportunidade o seguinte artigo: https://carvalhocamposadvocacia.com.br/planejamento-previdenciario-planejamento-securitario-planejamento-financeiro-planejamento-sucessorio-juiz-de-fora-mg-zona-da-mata-mineira/

 

Os pilotos militares reformados ou da reserva remunerada que permanecem sendo pilotos civis possuem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, idade ou especial?

Os militares pilotos de Aeronaves geralmente cumprem o seu tempo de atividade militar e são colocados na reserva remunerada e, posteriormente, ao atingir determinada idade e tempo na reserva, são considerados “reformados”. É muito comum que, tão logo passem à reserva remunerada, os pilotos militares se habilitem para o exercício da aviação civil e, com isso, passam a recolher contribuições para os cofres da previdência social pelo RGPS (Regime Geral de previdência Social) administrado pelo INSS.

 

Nesse caso, é plenamente possível que o novo segurado do INSS, que é aposentado/Reformado por Regime Próprio/ Constitucional de previdência dos Militares, acumule os proventos da sua aposentadoria como militar com o da aposentadoria pelo INSS, quando cumpridos os requisitos legais relacionados àquele Regime de Previdência.

 

Tal possibilidade existia antes da Reforma da Previdência e foi mantida depois dela. Caso o segurado tenha 15 anos (180 meses) de contribuição para o INSS, poderá se aposentar por idade sem a necessidade de comprovação da atividade especial.

 

Caso preencha os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição comum, também não precisará se valer dos expedientes necessários à comprovação da atividade nociva própria dos aeronautas. (Obs: caso o segurado queira converter o tempo especial em comum, também precisará ter os documentos comprobatórios da atividade especial).

 

Mas se quiser a concessão da aposentadoria especial (inclusive por ser a modalidade mais benéfica em relação à RMI, que não sofrerá a incidência do Fator Previdenciário), deverá ficar atento ao seu PPP e LTCAT que descrevam, em detalhes, as suas atividades, bem como a incidência dos fatores nocivos à caracterização da atividade exercida em condições especiais.

 

E, no caso do piloto militar reformado que atualmente exerce atividade de piloto civil, este precisa ficar preocupado com um planejamento securitário/previdenciário (Clique aqui e saiba mais sobre o assunto)?

Sim. É preciso ficar atento. Podemos dizer que, talvez, uns 99% da população brasileira não sabe como está a sua situação junto à Previdência Social, quais foram os reflexos das recentes Micro e Macrorreformas na Previdência e quais são as consequências das mudanças na sua tão sonhada aposentadoria ou mesmo para a concessão de eventual pensão por morte aos seus dependentes. Há casos em que a diferença do que a pessoa recebe na atividade para aquilo que irá receber da previdência pública no caso de aposentadoria por tempo/idade é de mais de 70% (setenta por cento).

 

O cidadão brasileiro, na sua grande maioria, no entanto, só se preocupa com isso quando está em vias de preencher os requisitos legais para acesso ao benefício e, em muitos casos, não dá mais tempo de acertar as lacunas contributivas que precisavam ser ajustadas para que consiga uma renda, ao menos aproximada, daquela que recebia enquanto estava na atividade laboral.

 

Conforme já dissemos em outro texto, tanto as pessoas que ainda precisam de um longo período contributivo para se aposentar quanto aqueles que já estão próximos precisam fazer simulações das possibilidades em relação ao tempo de contribuição necessário e do valor que irão receber na aposentadoria.

 

  • Para aqueles que ainda falta muito tempo para usufruir dos direitos previdenciários, a nossa dica é que, desde logo, se preocupem em elaborar uma estratégia contributivo-financeira e de investimento para garantir, com mais segurança, uma boa aposentadoria ou mesmo resgate financeiro no futuro. Se a pessoa deixa para se preocupar com isso depois de uma longa vida laboral, em muitos casos, não dá mais tempo de acertar as lacunas contributivas que precisavam ser ajustadas para que consiga uma renda pelo menos próxima daquela recebia enquanto estava na ativa.

 

  • Para os que estão próximos de se aposentaras simulações decorrentes do planejamento previdenciário são essenciais para que a pessoa não receba um benefício com RMI ( Renda mensal inicial) muito abaixo do que deveria em razão de: a) desinformação quanto as inúmeras “regras de transição” constantes na Reforma da Previdência ( EC 103/2019) ; b) Possibilidade de utilização de tempo de serviço decorrente de outra atividade exercida de forma acumulada em outro regime de previdência; c) Possibilidade de se trabalhar um pouco mais para o enquadramento em regra mais vantajosa; d) possibilidade de pagamento de lacunas contributivas pela via de indenização; averbação de tempo trabalhado em condições especiais, entre outras.

 

 

O que o Aeronauta deve fazer caso o órgão previdenciário negue o seu direito na via administrativa ou mesmo conceda um benefício abaixo do valor esperado?

 

A priori, não recomendamos que o segurado procure o INSS ou outro órgão previdenciário para se aposentar desacompanhado de um advogado especialista em Direito Previdenciário da sua confiança. Já observamos situações irreversíveis de concessão de benefícios bem abaixo do que o segurado faria jus caso tivesse feito um adequado planejamento previdenciário.

Entretanto, como ainda não é uma prática comum que as pessoas procurem seus advogados já na via administrativa, caso o órgão previdenciário tenha reconhecido o direito e concedido a aposentadoria em valor menor do que o cidadão entendia devido, é preciso analisar a possibilidade de revisão daquela. São muitos os casos em que o segurado preenchia requisitos para a concessão de um benefício melhor do que o que lhe foi dado e tal situação é reversível através da tutela judicial.

Nos casos de indeferimento de benefícios, também são milhares de casos de erros e até arbitrariedades por partes dos órgãos previdenciários, os quais podem ser revistos a partir de uma adequada tutela judicial. Em todos os casos, o advogado da confiança do segurado deve promover uma adequada instrução processual a fim de demonstrar o direito pleiteado e conquistar o seu reconhecimento na via judicial.

 

A importância do Advogado de confiança do segurado

Diante das peculiaridades de cada caso concreto, é sempre recomendável que o cidadão, ao buscar a tutela judicial ou até mesmo ao requerer um benefício previdenciário na via administrativa, esteja acompanhado de advogado/defensor de sua confiança. Isso, pois, apesar da oferta do Ius postulandi, há casos em que a análise fática; a instrução probatória; o cálculo do valor da causa com os consectários legais; a argumentação trazida pelo patrono fará toda a diferença na concessão do direito. Nesse sentido, não é demais relembrar a dicção do artigo 133 da Constituição Federal de 1988, que diz:” Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”