Por Fernanda Carvalho Campos e Macedo
Advogada especialista em Direito Público
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Desde a criação da Gratificação de Risco da Atividade Militar (GRAM), instituída pela Lei Estadual nº 9.537/2021, militares do Estado do Rio de Janeiro — tanto policiais quanto bombeiros — passaram a contar com um importante acréscimo financeiro destinado a compensar os riscos extremos a que estão submetidos em sua atuação diária. No entanto, a tributação indevida dessa verba pelo Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) deu início a uma série de litígios judiciais, culminando em recentes e relevantes decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).
1. A natureza jurídica da GRAM: verba indenizatória, não remuneratória
A controvérsia gira em torno da natureza jurídica da GRAM. Enquanto o Estado do Rio de Janeiro sustenta que a gratificação possui natureza remuneratória, portanto sujeita à incidência do IR, a jurisprudência recente vem pacificando o entendimento de que se trata de verba de caráter indenizatório.
Em decisão paradigmática, proferida pela Primeira Câmara de Direito Público no julgamento da Apelação Cível nº 0801916-69.2024.8.19.0073, o Tribunal reafirmou que a GRAM tem por finalidade compensar os riscos inerentes à atividade militar. Nesse sentido, trata-se de verba de natureza pro labore faciendo, ou seja, concedida pelo exercício de uma função específica e por exposição extraordinária ao perigo, o que afasta seu enquadramento como rendimento tributável.
Importante destacar que, conforme o artigo 19-A da Lei Estadual nº 279/1979 (com redação dada pela Lei nº 9.537/2021), a GRAM é vinculada às peculiaridades da carreira militar e ao risco permanente à integridade física e à própria vida dos profissionais, o que reforça sua feição indenizatória.
2. Precedentes e fundamentos legais: aplicação do Tema 810 do STF
A fundamentação da decisão do TJRJ vai além da análise legal local. O acórdão adota a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 870.947/SE (Tema 810), que reconhece a inconstitucionalidade da aplicação do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação da Lei nº 11.960/09, para fins de atualização monetária de débitos da Fazenda Pública, quando estes envolvam relação jurídico-tributária.
Ao aplicar esse entendimento, o TJRJ vem determinando a restituição dos valores de IR indevidamente descontados dos contracheques dos militares que entram com a ação, com correção monetária desde cada desconto e juros moratórios contados a partir do trânsito em julgado. A Corte também rechaçou a tese de que haveria enriquecimento ilícito por parte do servidor, reconhecendo que a cobrança realizada foi resultado de erro do próprio Estado e que a devolução dos valores é um imperativo de justiça.
3. Efeitos práticos: reparação e prevenção de novos abusos
As decisões do STJ representam não apenas uma reparação individual aos militares que, nós, advogados especialistas em Direito Público e Tributário, representamos judicialmente, mas um importante precedente para todos os servidores militares do Rio de Janeiro que foram ou ainda são vítimas de descontos indevidos de IR sobre a GRAM.
A clareza do acórdão paradigmático acima mencionado — ao rejeitar a ilegitimidade passiva do Estado, reconhecer o caráter indenizatório da verba e acolher a pretensão de repetição do indébito — deve servir como orientação segura para casos semelhantes em trâmite ou que venham a ser propostos.
A mensagem do Judiciário é clara: o servidor não pode ser penalizado duplamente — primeiro, por enfrentar situações extremas para garantir a segurança da população, e depois, por ver sua indenização ser tributada como se fosse rendimento habitual.
A cobrança do IR sobre a GRAM não é apenas uma distorção normativa, mas uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao justo valor do trabalho em condições adversas.
Conclusão
A jurisprudência que se consolida no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro representa um alento para policiais e bombeiros militares que há anos têm seus direitos vilipendiados por interpretações fiscais arbitrárias. A GRAM, criada para compensar o risco, não pode ser tratada como salário. Sua natureza indenizatória é cristalina, e sua tributação é indevida.