A priori, cumpre esclarecer aos nossos leitores o que significa o termo “inventário” e o termo “partilha”.
De forma simples, “inventário” é a forma processual em que os bens do de cujus (falecido) passam para o seus sucessores (herdeiros – legatários etc.), e a “partilha” é a forma processual legal para definir os limites da herança que caberá a cada um dos herdeiros e legatários. Resume-se, portanto, na divisão dos bens e direitos deixados pelo falecido.
Para efeito de transferência de propriedade dos bens, inclusive imóveis, o formal de partilha, que é o documento final, resumo do inventário, equivale à escritura.
Assim, da mesma forma que a escritura pública é o instrumento legal para a transferência de bens imóveis entre vivos, é pelo formal de partilha, originado do processo de inventário, que os herdeiros recebem e transferem para o seu nome os bens e direitos a que possam ter direito em face da sucessão.
O Direito das Sucessões abriga as normas jurídicas que tem o objetivo de processar a transmissão de direitos, encargos e bens, numa relação advinda dos graus de parentesco do de cujus ou de sua disposição (testamento) ainda em vida.
Esta relação implica na existência de um adquirente que sucede ao antigo titular de direitos, bens e valores.
Quando alguém vem a falecer os seus herdeiros e legatários sucederão o falecido nos seus “direitos” e “obrigações”. Nessas últimas, há a restrição ao limite da herança.
O Direito das Sucessões regula exatamente esta forma de suceder, tanto no que diz direito à sucessão legítima, em razão do parentesco ou da relação de convivência, como a testamentária, decorrente da manifestação de vontade do falecido.
Nos tempos atuais, basta que olhemos para o lado para constatarmos que o número de famílias reorganizadas por um segundo, ou terceiro relacionamento estão cada vez mais comuns.
Marido, esposa, pais, mães, filhos e a difícil, mas imprescindível, tarefa de construir e manter a entidade familiar vai se desenrolando dia a dia, até que chega a hora destas famílias se defrontarem com uma situação que cedo ou tarde acontecerá em todas elas, que é a despedida de um ente querido.
A tristeza e a saudade são inevitáveis, mas acompanhando estas surge a necessidade de regularização dos bens deixados pelo de cujus, e é aí que podem começar algumas confusões, principalmente quando os sucessores não tem acesso às informações tão intrincadas que regem o direito das sucessões.
Sem pretender esgotar o tema com o presente artigo, em pequeno resumo traçaremos algumas hipóteses que podem surgir com o parente que deixa bens, e quais são as previsões legais para elas.
Uma família original que se rompeu, ou seja, houve a separação entre os cônjuges, pode se reconstituir por outra união estável ou mesmo através de novo casamento.
E os bens constituídos na relação original, como ficam? Você sabe diferenciar o que é “meação” do patrimônio constituído na vigência da união e “herança” decorrente da morte do cônjuge? Esse ponto é bem intrincado quando as separações não são feitas de maneira formal, ou seja, através de um processo de divórcio.
Em alguns casos, as pessoas se separam apenas de fato, sem proceder ao processo de divórcio e se unem a outras pessoas. Nesse caso, se algum deles vir a falecer, um problema surgirá: quem herdará seus bens? Será que o novo companheiro faz jus a herança? Será que pelo fato de não ter havido a separação pela via do processo de divórcio, o ex-cônjuge seria o único legitimado? E a meação dos bens constituídos na relação anterior?
O Direito das sucessões é uma das áreas mais complexas e, por conseguinte, na hora de escolher um profissional, deve procurar aquele que seja especialista em tal matéria, sob pena de sofrer grandes prejuízos.
Em relação aos descendentes deixados pelo falecido, cabe esclarecer que a lei não faz mais qualquer distinção, todos eles têm o mesmo direito à herança, sejam advindos de uniões estáveis, sejam advindos de relacionamentos furtivos ou da instituição do casamento, todos receberão a herança em partes iguais.
Já em relação ao cônjuge ou companheiro da pessoa falecida, duas são as regras que disciplinam o recebimento da herança:
a) Se a segunda família foi constituída pela união estável, aplica-se o artigo 1.790 do Código Civil, abaixo transcrito:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a um terço da herança;
IV – “não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
b) Caso a união tenha se dado através de segundas ou terceiras núpcias, a regra aplicada é a que está disposta no artigo 1.829 do CC, abaixo transcrito:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”.
Embora o artigo 1.725 do CC defina que nas uniões estáveis, em regra se aplica ao regime patrimonial as regras da comunhão parcial de bens, ao dispor sobre a herança o legislador acabou dando tratamento um pouco diferente à sucessão da herdeira companheira e da herdeira esposa, o que tem gerado muitas discussões jurídicas.
Defendemos a tese de que, independente da existência destas discussões jurídicas sobre estas diferenças, o que deve ser considerado é que a esposa ou companheira terá direito à meação e, em alguns casos, também à herança do cônjuge falecido.
Muitas pessoas acabam confundindo o direito à meação com o direito à herança, mas conforme veremos abaixo são conceitos diferentes que não se confundem.
Meação não é herança, é o direito do cônjuge ou companheiro à metade dos bens que adquiriu em comum com seu companheiro ou seu cônjuge durante a convivência, ou seja, é o direito de ficar com o que já lhe pertencia juridicamente em virtude da união estável ou do regime de casamento adotado pelo casal.
Na união estável, o convivente somente terá direito a meação quanto aos bens adquiridos de forma onerosa, já no casamento esta meação se dá de forma mais ampla em relação aos bens do casal, dependendo do regime de casamento adotado pelos cônjuges.
Mas a partir daí vem a pergunta: se a meação não é herança, quando o cônjuge ou companheiro é herdeiro?
Herança é o direito atribuído pela lei aos parentes do falecido, herdeiros testamentários ou ao Estado, quando ausentes estes primeiros, em receber os bens deixados pelo morto.
O artigo 1.829 do CC estabelece a ordem da sucessão legítima, relativa aos parentes deixados pelo falecido, e hoje este artigo deve ser lido em conjunto com o artigo 1.790 do mesmo diploma legal, que dispõe sobre a sucessão nas uniões estáveis.
Para a lei os primeiros na ordem de sucessão são os descendentes deixados pelo falecido, ou seja, seus filhos, netos, bisnetos etc.
Quando o falecido for casado, estes descendentes somente dividirão a herança (lembrando: diferente da meação) com o cônjuge do falecido se o falecido deixar bens particulares quando casado no regime da comunhão parcial de bens.
Para que nossos leitores possam ter uma visão mais clara, daremos o seguinte exemplo: um homem divorciado com um filho do primeiro casamento e já proprietário de um imóvel, que casa pela segunda vez, e durante este relacionamento adquire um novo imóvel e concebe um filho com sua segunda esposa:
a) Falecendo este homem, quem serão seus herdeiros?
Em primeiro lugar serão herdeiros deste homem os filhos, tanto do primeiro casamento como do segundo, que receberão a herança em partes iguais.
Como há bens adquiridos na constância deste casamento, a segunda e atual esposa terá direito à meação dos bens que adquiriu na constância do casamento.
E como há bens particulares deixados pelo de cujus (adquiridos somente por ele antes do casamento) a esposa também terá direito à herança, na mesma proporção dos descendentes.
Assim, a resposta a pergunta acima é: seus descendentes (filhos) e sua esposa atual.
Ressalta-se aqui que, se não houvessem bens particulares do falecido, a esposa apenas teria direito à meação dos bens de acordo com o regime do casamento.
Cabe esclarecer que o cônjuge também é herdeiro quando o falecido não deixar descendentes, mas deixar ascendentes, (pais, avós, bisavós, etc.), neste caso o cônjuge receberá metade da herança deixada pelo falecido e a outra metade irá para o ascendente imediato. Muita gente acha absurdo isso, mas é a lei!!
Não deixando o falecido, descendentes ou ascendentes, o cônjuge receberá a totalidade da herança.
E se, no nosso exemplo o falecido não fosse casado e sim vivesse em união estável, quem seriam seus herdeiros?
De acordo com o artigo 1.790 do CC, o companheiro participará da sucessão do outros somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento.
Além do direito à herança, o companheiro tem também o direito à meação dos bens deixados pelo falecido, e neste aspecto, se é verdade que somente herda os bens adquiridos de forma onerosa, aqui o companheiro tem uma vantagem em relação ao cônjuge, pois pelo texto legal sempre será herdeiro do seu companheiro morto, diferentemente do que acontece com o cônjuge.
Nesse passo, se o falecido deixar descendentes em comum com sua companheira esta receberá como herança a mesma proporção recebida pelos descendentes do casal.
Caso a companheira concorra com descendentes apenas do falecido, terá direito de receber metade do que couber a cada um deles. E ainda, se o falecido não deixar descendentes ou ascendentes, aqui há uma desvantagem, o companheiro não receberá toda a herança como acontece com os cônjuges e sim partilhará a herança com outros parentes sucessíveis deixados pelo falecido, ou seja, com seus com irmãos, tios ou sobrinhos, ficando com a proporção de um terço da herança.
No exemplo acima, respondendo a pergunta, a companheira receberia a meação do bem adquirido na constância da união estável e participaria da herança, recebendo o mesmo quinhão que seu filho e metade do quinhão recebido pelo outro filho do seu companheiro.
Conforme aduzimos, o tema em relação às diferenças legais entre a sucessão do cônjuge e do companheiro ainda causam bastante discussão no meio jurídico, sendo constantemente argumentada a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, devido ao tratamento desigual dado pela lei aos cônjuges e aos companheiros, mas isto certamente, pela sua complexidade será o tema de outro artigo que tenha por tema esta questão.
De qualquer forma, além da previsão legal da sucessão legítima, que é aplicada sempre que não há disposição diversa deixada pelo autor da herança, a lei pátria permite que o cidadão defina quem serão seus herdeiros, através de testamento, desde que respeitada à legítima, ou seja, os direitos dos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) a cinquenta por cento da herança.
Enfim, com base nas normas vigentes, as diversas regras de sucessão do direito brasileiro e suas consequências geram uma série de dúvidas e confusões. Por isso, é interessante que procurem sempre um profissional experiente e capaz para assessorá-lo na formação de sua família e de seu patrimônio, de forma a evitar surpresas e decepções no momento da sucessão.
Obs: O presente texto tem o caráter meramente ” informativo” e não tem intenção de induzir ao leitor a litigar.
Informa, sim, os eventuais direitos dos leitores e sua opção por contratar um advogado da sua confiança, já que este profissional é indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania,da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes, entre eles o dever de “informar” à sociedade os seus potenciais direitos para que, com isso, se alcance a tão sonhada justiça social, tudo conforme preceito básico contido no art. 2º do Código de Ètica da advocacia.
Fernanda Campos – Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Co-autora do Livro: Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018